Rastreamento genético durante a gestação 

Por: Laboratório de Referência 

 

O diagnóstico definitivo de alterações cromossômicas durante a gestação antes do nascimento requer uma amostra de material genético fetal, obtido por meio de procedimentos invasivos, como a biópsia de vilo corial ou a amniocentese, que envolvem um potencial risco de abortamento e rotura prematura de membranas, sendo, portanto, indicados apenas em casos de alto risco para trissomia.

O teste não invasivo para trissomias fetais, ou NIPT, do inglês, noninvasive prenatal testing, analisa fragmentos de DNA fetal livre circulantes no sangue periférico materno. Usando o DNA sequenciado do feto, a análise se vale do cruzamento de informações com banco de dados extenso e exclusivo, aumentando a precisão do teste, que pode ser realizado tanto em gestações únicas ou gemelares, bem como em casos de fertilização in vitro, com ovócitos próprios ou não, em amostra colhida a partir de dez semanas gestacionais.

Na prática, o NIPT detecta aneuploidias comparando a quantidade de material cromossômico contra um conjunto de referências de cromossomos. As aneuploidias dos cromossomos sexuais também podem ser identificadas (45,X, 47,XXX, 47,XXY e 47,XYY).

Em relação aos métodos tradicionais, o teste apresenta, como vantagem, a idade gestacional precoce em que pode ser feito e a maior taxa de detecção. Na metanálise de Gil et al1 , a sensibilidade do NIPT para rastrear as trissomias 13, 18 e 21 superou os 90%.

Rastreamento de aneuploidias fetais pelo NIPT
Sensibilidade Falso-positivo
Trissomia 21 (síndrome de Down) 99% 0,08%
Trissomia 18 (síndrome de Edwards) 96,8% 0,15%
Trissomia 13 (síndrome de Patau) 92,1% 0,20%
Monossomia X (síndrome de Turner) 88,6% 0,12%

Com maior sensibilidade e especificidade, o fato é que esse recurso tem menor taxa de falso-positivos que o rastreamento combinado (idade materna, TN e perfil bioquímico), resultando em menor número de casos em que o procedimento invasivo seria indicado e, assim, em menor ansiedade materna.

Contudo, convém lembrar que o NIPT faz um rastreamento, não um diagnóstico, o que deve ser minuciosamente esclarecido para a paciente durante o aconselhamento genético no pré-natal. E um teste de rastreamento coloca a paciente num grupo de baixo ou alto risco para trissomias, mas não confirma nem exclui o diagnóstico.

Também é preciso atentar-se para as limitações do NIPT em comparação com os métodos clássicos de pesquisa de alterações fetais. A ultrassonografia morfológica de primeiro trimestre exerce papel fundamental na busca de outras malformações estruturais, não identificadas no teste de DNA fetal, tais como anencefalia, gastrosquise e onfalocele, entre outras. O perfil bioquímico e a dopplerfluxometria das artérias uterinas no primeiro trimestre auxiliam o rastreamento de complicações maternas, como a pré-eclâmpsia. Além disso, apenas os exames invasivos conseguem identificar uma gama maior de anomalias cromossômicas, especialmente se for utilizado o microarray.

Interpretação

Um teste normal de DNA fetal livre, indicado no laudo como “aneuploidia não detectada”, sugere baixo risco para trissomias. O risco relativo negativo diante desse resultado é de cerca de 100, 31 e 13 para as trissomias 21, 18 e 13, respectivamente1. Por exemplo, se o rastreamento combinado aponta um risco de 1:500 para a trissomia 21 e o NIPT evidencia baixo risco, a chance de o feto ser afetado ficaria em 1:50 mil.

Um risco considerado elevado, indicado no laudo como “aneuploidia detectada”, sugere que o feto tem probabilidade alta de apresentar alguma das cromossomopatias investigadas. Em tais casos, recomenda-se prosseguir a investigação com a biópsia de vilo corial ou a amniocentese, conforme a idade gestacional. Resultados falso-positivos, embora raros, podem estar associados a vanishing twin, mosaicismo placentário ou mesmo alterações maternas ainda não conhecidas.

Já diante de um resultado de NIPT com baixo risco de cromossomopatias, o rastreamento pré-natal deve seguir com a realização das ultrassonografias morfológicas de primeiro e segundo trimestres. A inclusão da ecocardiografia fetal nessa rotina aumenta a sensibilidade da pesquisa de cardiopatias fetais.

Casos com valores limítrofes são indicados no laudo como “aneuploidia suspeita”, uma vez que existe uma pequena possibilidade de os resultados não refletirem os cromossomos do feto e, sim, alterações placentárias ou da gestante. No entanto, devem ser conduzidos da mesma forma que os de alto risco.

Nos raros casos de resultado inconclusivo, a equipe médica do Fleury entra em contato com o médico para discutir o direcionamento diagnóstico mais adequado Nos raros casos de resultado inconclusivo, a equipe médica do Fleury entra em contato com o médico para discutir o direcionamento diagnóstico mais adequado.

Resultados discordantes

Em uma pequena porcentagem de casos, pode haver discordância entre o resultado do NIPT e o resultado do teste invasivo ou mesmo o resultado pós-natal. Alguma das situações que podem explicá-los incluem:

  • Condições da gestante: aneuploidias maternas (completas ou mosaico), certas neoplasias (ainda em estudo) e antecedente de transplante de órgãos
  • Mosaicismo fetal ou restrito à placenta
  • Vanishing twin (caso de gemelar não evolutivo)
  • Performance do teste

Como usar o NIPT no pré-natal

Embora o NIPT apresente resultados superiores ao rastreamento combinado tradicional, ainda há controvérsias sobre a forma de incorporá-lo à rotina do pré-natal. A maioria dos estudos científicos incluiu apenas pacientes com risco aumentado para trissomia. Em 2012, o próprio Colégio Americano de Ginecologistas e Obstetras2 publicou uma recomendação para indicar o teste somente para casos de:

  • Idade materna acima de 35 anos
  • Alterações ultrassonográficas associadas a trissomias
  • Filho anterior acometido por trissomia
  • Pais com translocação robertsoniana balanceada, com risco aumentado de trissomia 21 ou 13

Apesar disso, o New England Journal of Medicine publicou um estudo em larga escala com gestantes de baixo risco, incluindo quase 16 mil pacientes3. Em comparação ao rastreamento combinado, o teste mostrou maior sensibilidade, menor taxa de falso-positivos e maior valor preditivo positivo (50% para trissomia 21) também para essa população.

Rastreamento combinado entre 11 e 13 semanas

Por outro lado, Gratacós e Nicolaides4 apontaram que esse teste ainda tem custo elevado e que, na maior parte dos países, é pago pela própria paciente no sistema privado de saúde, a qual busca uma forma de rastreamento primário com melhor performance.

Como política pública, diante disso, os autores sugerem que uma primeira opção seria realizar o NIPT como rotina em toda a população com dez semanas de gestação, incluindo casos de gravidez de gêmeos, fertilização in vitro ou ovodoação. Nessa abordagem, estima-se que seriam detectados 99% dos fetos com trissomia 21 e 95% dos fetos com trissomias 13 e 18, com uma taxa de testes invasivos de 1%. A segunda opção seria oferecer o NIPT às pacientes que realizaram o teste combinado e foram classificadas como risco alto ou intermediário, visando a selecionar o subgrupo que se beneficiaria da biópsia de vilo corial ou da amniocentese. Os cutoffs exatos para definir o risco dependeriam do custo do exame para determinar a parcela da população que seria submetida ao teste.

Em um modelo teórico, foi proposto que o rastreamento combinado (idade materna, TN e perfil bioquímico materno) classificaria a população em risco alto (≥1:10), intermediário (1:11–1:1.000) e baixo (<1:1.000). O grupo de alto risco se submeteria sempre ao teste invasivo e o grupo de risco intermediário faria primeiro o NIPT e, caso este viesse positivo, prosseguiria a investigação. Com tal estratégia, apenas 25% das pacientes teriam indicação de fazer o NIPT e 98% dos fetos com trissomias 21, 18 e 13 seriam diagnosticados, com uma taxa de testes invasivos de 0,8%.

Aplicações do teste nas NM pela classificação da OMS

Não há contraindicação para a realização do NIPT, mas apenas situações em que os procedimentos invasivos clássicos seriam preferenciais em relação ao teste1:

  • TN maior que 3,5 mm, devido ao risco elevado de outras aneuploidias raras, não pesquisadas pelo NIPT
  • Suspeita ultrassonográfica de triploidia fetal
  • Malformações fetais maiores diagnosticadas na ultrassonografia, como holoprosencefalia, onfalocele e megabexiga
  • Bioquímica materna muito baixa (PAPP-A e beta-hCG livre inferiores a 0,3 MoM)
Referências
  1. Gil MM, et al. Analysis of cell-free DNA in maternal blood in screening for aneuploidies: meta-analysis. Fetal Diagn Ther. 2014;35:156-73.
  2. ACOG. Committee Opinion No. 545: Noninvasive prenatal testing for fetal aneuploidy. Obstet Gynecol. 2012;120:1532-4.
  3. Norton ME, et al. Cell-free DNA analysis for noninvasive examination of trisomy. N Engl J Med. 2015;372:1589-97.
  4. Gratacós E, Nicolaides K. Clinical perspective of cell-free DNA testing for fetal aneuploidies. Fetal Diagn Ther. 2014;35:151-5.