Técnica de sequenciamento de nova geração permite a investigação genética simultânea 

Por: Dr. Alex Freire Sandes, Dra. Aline dos Santos Borgo Perazzio, Dra. Maria de Lourdes Chauffaille, Dr. Matheus Vescovi Gonçalves 

 

As neoplasias hematológicas são geralmente diagnosticadas de acordo com os critérios de classificação da Organização Mundial da Saúde (OMS) para os tumores dos tecidos hematopoético e linfoide. Entretanto, nos últimos anos, a identificação de várias mutações tem modificado o modo como se avaliam tais doenças.

Dada a ampla gama de mutações relacionadas às neoplasias mieloides (NM), testes para detecção de anormalidades em genes específicos podem se mostrar insuficientes. Já as técnicas de sequenciamento de nova geração (NGS) são capazes de analisar, ao mesmo tempo, mutações em múltiplos genes associados a essas moléstias, permitindo seu diagnóstico, classificação e monitoramento.

O painel de mutações para neoplasias mieloides, baseado em processos de captura de DNA desenvolvidos pelo Fleury, seguidos por NGS, possibilita a avaliação simultânea de 36 dos genes mais frequentemente alterados nesse grupo de doenças. Segundo estudos recentes, o teste detecta pelo menos uma mutação associada a tais neoplasias em 95,3% dos casos novos de leucemia mieloide aguda (LMA). Para os pacientes com suspeita clínica de síndromes mielodisplásicas (SMD), mas sem alterações no cariótipo, de 19% a 38% apresentam ao menos uma mutação relativa à SMD, a depender do tipo ou grau de citopenia.

Para a escolha dos genes incluídos nesse painel, foram consideradas a frequência da mutação nas NM, a possibilidade de distinguir entre LMA, SMD e neoplasias mieloproliferativas (NMP) e a força da associação entre a alteração genética, as funções hematopoéticas e a probabilidade de progressão leucêmica.

Vale ressaltar que, nesse painel, não está contemplada a fusão de transcritos decorrente de translocações cromossômicas, como BCR-ABL1 e PML-RARA. Testes específicos para essas translocações estão disponíveis por outros métodos.

Genes pesquisados no painel de mutações para neoplasias mieloides

ASXL1 BCOR BRAF CARL CBL CEBPA
CSF3R DMNT3A ETV6 EZH2 FLT3
(ITD e TKD 835/836)
GATA1
GATA2 IDH1 IDH2 JAK2 KIT KTM2A
(MLL)
KRAS MPL MYD88 NOTCH1 NPM1 NRAS
PTPN11 RUNX1 SETBP1 SF3B1 SRSF2 STAG2
TERT
(incluindo região UTR)
TET2 TP53 U2AF1 WT1 ZRSR2
Indicações clínicas do exame
  • Classificação da LMA e estratificação prognóstica
  • Monitoramento da LMA
  • Avaliação de citopenias para descartar SMD ou situações relacionadas
  • Diagnóstico das NMP crônicas
Indivíduos elegíveis para o teste
  • Pacientes com suspeita de NPM, incluindo LMA e SMD
  • Pacientes recém-diagnosticados com LMA ou SMD de alto grau
  • Pacientes com suspeita de NMP com resultados negativos para a translocação BCR-ABL1 e mutação JAK2V617, CALR ou MPL

Aplicações do teste nas NM pela classificação da OMS

A OMS distingue quatro grupos de neoplasias mieloides: NMP, SMD, LMA e NMP/SMD. Entre as NM, diversas condições têm seu diagnóstico baseado na identificação de determinadas mutações, como a leucemia mieloide crônica e a translocação BCR-ABL1, a NMP positiva para JAK2, a trombocitemia essencial com a mutação no CALR ou no MPL e a mielofibrose primária com JAK2, CALR ou MPL mutados. Contudo, muitas das NMP não apresentam alterações genéticas características, mas exibem mutações em genes promotores de crescimento (ex.: CBL, CSF3R, GATA1, KRAS, NRAS) ou em outros genes reguladores (ex.: ASXL1, EZH2, TET2). A detecção de anormalidades nesses genes auxilia o diagnóstico e a classificação das NMP em pacientes que não possuem a translocação BCR-ABL1 nem JAK2, CALR e MPL mutados.

Para as SMD, a análise de mutação em outros genes pode colaborar para o diagnóstico da doença em estágios precoces. Algumas formas avançadas de SMD cursam com número aumentado de blastos no sangue periférico e na medula óssea e tendem a ter alterações cromossômicas características, que direcionam o diagnóstico. Contudo, formas precoces de SMD, como a citopenia refratária com displasia de unilinhagem, com frequência não contêm uma aberração cromossômica identificável. Nesse contexto, vários estudos destacam a utilidade do teste na identificação de mutações para estabelecer o diagnóstico de SMD, pois permite detectar algumas das alterações mais precocemente observadas em tal conjunto de doenças, como as mutações nos genes ASXL1, DMNT3A, EZH2, RUNX1, SF3B1, SRSF2, TET2, U2AF1 e ZRSR2. Como se não bastasse, diversos genes também possuem relevância devido às implicações prognósticas.

Já na LMA, o painel permite a detecção de mutações nos genes NPM1 e CEBPA, além da duplicação parcial em tandem do MLL, utilizadas na classificação dos casos com cariótipo normal. Ademais, o exame é útil para identificar alterações em genes associados a fatores prognósticos da neoplasia, incluindo mutações em ASXL1, FLT3, KIT, RUNX1, TET2 e TP53. A alta sensibilidade e a precisão analítica do sequenciamento de nova geração possibilitam igualmente o monitoramento molecular da LMA durante o tratamento.