Teste não invasivo para trissomias fetais 

Por: Fleury Medicina e Saúde 

 

RASTREAMENTO GENÉTICO DURANTE A GESTAÇÃO

O diagnóstico definitivo de alterações cromossômicas durante a gestação antes do nascimento requer uma amostra de material genético fetal, obtido por meio de procedimentos invasivos, como a biópsia de vilo corial ou a amniocentese, que envolvem um potencial risco de abortamento e rotura prematura de membranas, sendo, portanto, indicados apenas em casos de alto risco para trissomia.

O teste não invasivo para trissomias fetais, ou NIPT, do inglês, noninvasive prenatal testing, analisa fragmentos de DNA fetal livre circulantes no sangue periférico materno. Usando o DNA sequenciado do feto, a análise se vale do cruzamento de informações com um banco de dados extenso e exclusivo, aumentando a precisão do exame, que pode ser realizado tanto em gestações únicas ou gemelares, bem como em casos de fertilização in vitro, com ovócitos próprios ou não, em amostra colhida a partir de dez semanas gestacionais.

Na prática, o NIPT detecta aneuploidias comparando a quantidade de material cromossômico contra um conjunto de referência de cromossomos. As aneuploidias dos cromossomos sexuais também podem ser identificadas (45,X, 47,XXX, 47,XXY e 47,XYY).

Em relação aos métodos tradicionais, o teste apresenta, como vantagem, a idade gestacional precoce em que pode ser feito e a maior taxa de detecção. Na metanálise de Gil et al¹, a sensibilidade do NIPT para rastrear as trissomias 13, 18 e 21 superou os 97%.




Com maior sensibilidade e especificidade, o fato é que esse recurso tem menor taxa de falso-positivos que o rastreamento combinado (idade materna, translucência nucal e perfil bioquímico), resultando em menor número de casos em que o procedimento invasivo seria indicado e, assim, em menor ansiedade materna.

Contudo, convém lembrar que o NIPT faz um rastreamento, não um diagnóstico, o que deve ser minuciosamente esclarecido para a paciente durante o aconselhamento genético no pré-natal. E um teste de rastreamento coloca a paciente num grupo de baixo ou alto risco para trissomias, mas não confirma nem exclui o diagnóstico.

Também é preciso atentar-se para as limitações do NIPT em comparação com os métodos clássicos de pesquisa de alterações fetais. A ultrassonografia morfológica de primeiro trimestre exerce papel fundamental na busca de outras malformações estruturais, não identificadas no teste de DNA fetal, tais como anencefalia, gastrosquise e onfalocele, entre outras. O perfil bioquímico e a dopplerfluxometria das artérias uterinas no primeiro trimestre auxiliam o rastreamento de complicações maternas, como a pré-eclâmpsia. Além disso, apenas os exames invasivos conseguem identificar uma gama maior de anomalias cromossômicas, especialmente se for utilizado o microarray.


Interpretação

Um teste normal de DNA fetal livre, indicado no laudo como “aneuploidia não detectada”, sugere baixo risco para trissomias. O risco relativo diante desse resultado é reduzido por fator de 333, 47 e 100 para as trissomias 21, 18 e 13, respectivamente. Por exemplo, se o rastreamento combinado aponta um risco de 1:100 para a trissomia 21 e o NIPT evidencia baixo risco, a chance de o feto ser afetado ficaria em 1:33.3001.

Um risco considerado elevado, indicado no laudo como “aneuploidia detectada”, sugere que o feto tem probabilidade alta de apresentar alguma das cromossomopatias investigadas. Em tais casos, recomenda-se prosseguir a investigação com a biópsia de vilo corial ou a amniocentese, conforme a idade gestacional. Resultados falso-positivos, embora raros, podem estar associados a vanishing twin, mosaicismo placentário ou mesmo alterações maternas ainda não conhecidas.

Já diante de um resultado de NIPT com baixo risco de cromossomopatias, o rastreamento pré-natal deve seguir com a realização das ultrassonografias morfológicas de primeiro e segundo trimestres. A inclusão da ecocardiografia fetal nessa rotina aumenta a sensibilidade da pesquisa de cardiopatias fetais.




Resultados discordantes

Em uma pequena porcentagem de casos, pode haver discordância entre o resultado do NIPT e o resultado do teste invasivo ou mesmo o resultado pós-natal. Alguma das situações que podem explicá-los incluem:

  • Condições da gestante: aneuploidias maternas (completas ou mosaico), certas neoplasias (ainda em estudo) e antecedente de transplante de órgãos
  • Mosaicismo fetal ou restrito à placenta
  • Vanishing twin (caso de gemelar não evolutivo)
  • Performance do teste

Como usar o NIPT no pré-natal

Embora o NIPT apresente resultados superiores ao rastreamento combinado tradicional, ainda há controvérsias sobre a forma de incorporá-lo à rotina do pré-natal. A maioria dos estudos científicos incluiu apenas pacientes com risco aumentado para trissomia. Em 2012, o próprio Colégio Americano de Ginecologistas e Obstetras² publicou uma recomendação para indicar o teste somente para casos de:

  • Idade materna acima de 35 anos
  • Alterações ultrassonográficas associadas a trissomias
  • Filho anterior acometido por trissomia
  • Pais com translocação robertsoniana balanceada, com risco aumentado de trissomia 21 ou 13

Apesar disso, o New England Journal of Medicine publicou um estudo em larga escala com gestantes de baixo risco, incluindo quase 16 mil pacientes³. Em comparação ao rastreamento combinado, o teste mostrou maior sensibilidade, menor taxa de falso-positivo e maior valor preditivo positivo (50% para trissomia 21) também para essa população.




Por outro lado, Gratacós e Nicolaides⁴ apontaram que esse teste ainda tem custo elevado e que, na maior parte dos países, é pago pela própria paciente no sistema privado de saúde, a qual busca uma forma de rastreamento primário com melhor performance.

Como política pública, diante disso, os autores sugerem que uma primeira opção seria realizar o NIPT como rotina em toda a população com dez semanas de gestação, incluindo casos de gravidez de gêmeos, fertilização in vitro ou ovodoação. Nessa abordagem, estima-se que seriam detectados 99% dos fetos com trissomia 21 e 95% dos fetos com trissomias 13 e 18, com uma taxa de testes invasivos de 1%.

A segunda opção seria oferecer o NIPT às pacientes que realizaram o teste combinado e foram classificadas como risco alto ou intermediário, visando a selecionar o subgrupo que se beneficiaria da biópsia de vilo corial ou da amniocentese. Os cutoffs exatos para definir o risco dependeriam do custo do exame para determinar a parcela da população que seria submetida ao teste.

Em um modelo teórico, foi proposto que o rastreamento combinado (idade materna, TN e perfil bioquímico materno) classificaria a população em risco alto (≥1:10), intermediário (1:11–1:1.000) e baixo (<1:1.000).

O grupo de alto risco se submeteria sempre ao teste invasivo e o grupo de risco intermediário faria primeiro o NIPT e, caso este viesse positivo, prosseguiria a investigação. Com tal estratégia, apenas 25% das pacientes teriam indicação de fazer o NIPT e 98% dos fetos com trissomias 21, 18 e 13 seriam diagnosticados, com uma taxa de testes invasivos de 0,8%.


Contraindicações

Não há contraindicação para a realização do NIPT, mas apenas situações em que os procedimentos invasivos clássicos seriam preferenciais em relação ao teste1:

  • TN maior que 3,5 mm, devido ao risco elevado de outras aneuploidias raras, não pesquisadas pelo NIPT
  • Suspeita ultrassonográfica de triploidia fetal
  • Malformações fetais maiores diagnosticadas na ultrassonografia, como holoprosencefalia, onfalocele e megabexiga
  • Bioquímica materna muito baixa (PAPP-A e beta-hCG livre inferiores a 0,3 MoM)